E podes também lê-lo aqui:
     Num meio-dia de fim de primavera 
     Tive um sonho como uma fotografia. 
     Vi Jesus Cristo descer à terra. 
     Veio pela encosta de um monte 
     Tornado outra vez menino, 
     A correr e a rolar-se pela erva 
     E a arrancar flores para as deitar fora 
     E a rir de modo a ouvir-se de longe. 
     Tinha fugido do céu. 
     Era nosso demais para fingir 
     De segunda pessoa da Trindade. 
     ...................................... 
     Um dia que Deus estava a dormir 
     E o Espírito Santo andava a voar, 
     Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. 
     Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. 
     Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. 
     Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz 
     E deixou-o pregado na cruz que há no céu 
     E serve de modelo às outras. 
     Depois fugiu para o sol 
     E desceu pelo primeiro raio que apanhou. 
     Hoje vive na minha aldeia comigo. 
     É uma criança bonita de riso e natural.   
     Limpa o nariz ao braço direito,  
     Chapinha nas poças de água, 
     Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.   
     Atira pedras aos burros, 
     Rouba a fruta dos pomares 
     E foge a chorar e a gritar dos cães. 
     E, porque sabe que elas não gostam 
     E que toda a gente acha graça, 
     Corre atrás das raparigas pelas estradas 
     Que vão em ranchos pela estradas 
     com as bilhas às cabeças 
     E levanta-lhes as saias. 
     A mim ensinou-me tudo. 
     Ensinou-me a olhar para as cousas. 
     Aponta-me todas as cousas que há nas flores. 
     Mostra-me como as pedras são engraçadas  
     Quando a gente as tem na mão 
     E olha devagar para elas. 
     O Menino Jesus adormece nos meus braços 
     e eu levo-o ao colo para casa. 
     ............................................................................. 
     Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. 
     Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. 
     Ele é o humano que é natural, 
     Ele é o divino que sorri e que brinca. 
     E por isso é que eu sei com toda a certeza 
     Que ele é o Menino Jesus verdadeiro. 
     E a criança tão humana que é divina 
     É esta minha quotidiana vida de poeta, 
     E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre, 
     E que o meu mínimo olhar 
     Me enche de sensação, 
     E o mais pequeno som, seja do que for, 
     Parece falar comigo. 
     A Criança Nova que habita onde vivo 
     Dá-me uma mão a mim 
     E a outra a tudo que existe 
     E assim vamos os três pelo caminho que houver, 
     Saltando e cantando e rindo 
     E gozando o nosso segredo comum 
     Que é o de saber por toda a parte 
     Que não há mistério no mundo 
     E que tudo vale a pena. 
     A Criança Eterna acompanha-me sempre. 
     A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando. 
     O meu ouvido atento alegremente a todos os sons 
     São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas. 
     Damo-nos tão bem um com o outro 
     Na companhia de tudo 
     Que nunca pensamos um no outro, 
     Mas vivemos juntos e dois 
     Com um acordo íntimo 
     Como a mão direita e a esquerda. 
     Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas 
     No degrau da porta de casa, 
     Graves como convém a um deus e a um poeta, 
     E como se cada pedra 
     Fosse todo um universo 
     E fosse por isso um grande perigo para ela 
     Deixá-la cair no chão. 
     Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens 
     E ele sorri, porque tudo é incrível. 
     Ri dos reis e dos que não são reis, 
     E tem pena de ouvir falar das guerras, 
     E dos comércios, e dos navios 
     Que ficam fumo no ar dos altos-mares. 
     Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade 
     Que uma flor tem ao florescer 
     E que anda com a luz do sol 
     A variar os montes e os vales, 
     E a fazer doer nos olhos os muros caiados. 
     Depois ele adormece e eu deito-o. 
     Levo-o ao colo para dentro de casa 
     E deito-o, despindo-o lentamente 
     E como seguindo um ritual muito limpo 
     E todo materno até ele estar nu. 
     Ele dorme dentro da minha alma 
     E às vezes acorda de noite 
     E brinca com os meus sonhos. 
     Vira uns de pernas para o ar, 
     Põe uns em cima dos outros 
     E bate as palmas sozinho 
     Sorrindo para o meu sono. 
     ...................................................................... 
     Quando eu morrer, filhinho, 
     Seja eu a criança, o mais pequeno. 
     Pega-me tu ao colo 
     E leva-me para dentro da tua casa. 
     Despe o meu ser cansado e humano 
     E deita-me na tua cama. 
     E conta-me histórias, caso eu acorde, 
     Para eu tornar a adormecer. 
     E dá-me sonhos teus para eu brincar 
     Até que nasça qualquer dia 
     Que tu sabes qual é. 
     ..................................................................... 
     Esta é a história do meu Menino Jesus. 
     Por que razão que se perceba 
     Não há de ser ela mais verdadeira 
     Que tudo quanto os filósofos pensam 
     E tudo quanto as religiões ensinam?
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