Aula Aberta
sábado, outubro 22, 2005
 
Mais um teste sobre Fernando Pessoa - ortónimo.

Teste Português - B
I

TEXTO

TOMA-ME, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho. Eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa, - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha tão inútil,
Minhas esporas, de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Fernando Pessoa, Poesias


1. Neste poema, o sujeito poético traduz uma certa atitude perante a vida.
1.1. Descreve-a?

1.2. Faz o levantamento dos elementos textuais que melhor revelam essa atitude.

1.3. Identifica o processo estilístico dominante que nos ajuda a entender o drama do sujeito poético.

2. Embora a análise do eu seja fundamental, há no texto uma relação eu/tu.

2.1. Por que razão terá o poeta escolhido como destinatário a "noite eterna"?

3. O acto de poetização realiza-se a nível do significado e a nível do significante.

3.1. Selecciona no poema dois exemplos bem significativos de cada um desses aspectos.
3.1.1. Justifica a escolha.

4. Comprova que o poema se aproxima de uma modalidade poética clássica.

5. Retira do texto alguns elementos característicos da poesia pessoana. Justifica.

II
Fernando Pessoa escreveu: - "O Poeta é um fingidor." "Dizem que finjo ou minto" "Tudo o que escrevo".
Baseando-te em leituras sobre este poeta, elabora um texto de setenta a cem palavras comentando as transcrições acima apresentadas na linha da teoria do fingimento pessoano.
 
quarta-feira, outubro 19, 2005
  Liberdade
(Interpretado na voz de João Villaret)

Ai que prazer
não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal
Como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa 1935.
 
quarta-feira, outubro 12, 2005
  Teste de Português B 12.º Ano
Teste de Português - B 12.º Ano
Ano Lectivo: 2002-2003

I
Lê atentamente o texto que se segue:
TEXTO

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo ? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Fernando Pessoa, Poesia II (Europa-América)

1. No poema o assunto estrutura-se de acordo com uma oposição temporal.
1.1. Explicita-a.

1.2. Identifica as formas verbais que sustentam essa oposição.

2. O eu poético manifesta no momento em que escreve um determinado estado de espírito.
2.1. Descreve-o e justifica-o.

3. Comenta o sentido dos versos:
«A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou...»

4. Divide o poema em partes lógicas, justificando-as.

5. Indica o tema tratado nesta composição e relaciona-o com as temáticas mais recorrentes da poesia pessoana.

6. Descreve a estrutura formal do poema.

7. Identifica três recursos estilísticos no poema, explicitando o seu valor expressivo.
 
  Teste de Português A - 12.º Ano
TEXTO

Solemnia Verbia[1]

Disse ao meu coração: olha por quantos
Caminhos vãos andámos! Considera
Agora, desta altura fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos...

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!
E noite, onde foi luz de Primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!

Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do pensar tornado crente,

Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão, se é isto a vida,
Nem foi de mais o desengano e a dor.
Antero de Quental, Sonetos.


1. Após uma leitura atenta do poema transcrito, faz o comentário global do mesmo, orientando-te pelos tópicos seguintes:

- Tema;
- Desenvolvimento do tema e as suas partes lógicas;
- Contextualização do poema no percurso evolutivo do poeta;
- Modos de expressão e pessoas do enunciado (discurso);
- Linguagem e sua expressividade.

II

Resume o excerto a seguir transcrito, constituído por trezentas e quatro palavras, num texto de noventa a cem palavras.

A denúncia e a condenação do constitucionalismo ordeiro ¾ pedra-de-toque dos dissidentes de Coimbra ¾ baseava-se menos nos princípios, alguns dos quais, como a liberdade, eram o seu fundamento constitucional, do que na sua prática social, isto é, no falseamento das instituições. A astúcia dos políticos, a perversidade dos caciques[2], a habitual utilização da fraude contribuíam para a corrupção do espírito público, para a perigosa e dissolvente prática da ambiguidade do comportamento. As consequências eram visíveis a par da lamentável ignorância da população, grassava a mediania económica que, em algumas camadas, roçava a miséria. As personalidades que mantinham a situação rasgavam os nobres pergaminhos da geração que ganhara a guerra civil, corrompiam-se na misantropia lírica ou na retórica clássica.
É neste panorama que a juventude se lança no ataque moral às incarnações simbólicas dessa deprimente situação. A desejada actualização, contrariamente ao que se crê, correspondia às urgentes necessidades nacionais e já fora proposta por Garrett e Herculano. Contrariar ou condenar essa sã atitude era prova do mais mesquinho espírito chauvinista[3]. Autênticos patriotas, como pensara Eça de Queirós, eram precisamente os que ansiavam pelo fortalecimento da consciência crítica, os que acusavam vícios para os remediar, aqueles que pretendiam guindar-nos à condição de homens independentes e ilustrados.
(...) Morto Garrett, da velha geração romântica só Herculano teimava em defender a sua independência – e mesmo assim à custa de um relativo e às vezes forçado silêncio. Consciente do seu poder corruptor, a administração cuidava, de longe ou de perto, das nossas inteligências criadoras. Após a conversão dos intelectuais que, na sua juventude, haviam militado no socialismo, torna-se regra a corrida aos lugares públicos e às situações rendosas. A pretensão dos escritores aos postos oficiais e oficiosos implicava uma atitude respeitosa e obediente para com as instituições vigentes. Numa palavra: consumara-se a burocratização intelectual.

Mª José Marinho e Alberto Ferreira, A Questão Coimbrã.

[1] Palavras solenes.
[2] Cacique – chefe popular, aquele que controla as decisões numa terra, líder provinciano.
[3] Chauvinista – patriota ferrenho, nacionalista exagerado e ridículo.
 
quinta-feira, outubro 06, 2005
  O essencial a reter sobre F. Pessoa - Ortónimo

- o sonho; a intersecção entre o sonho e a realidade (ex.: Chuva Oblíqua);

- a angústia existencial e a nostalgia (do Eu, de um bem perdido, das imagens da infância...

- a distância entre o idealizado e o realizado - e a consequente frustração ("Tudo o que faço ou medito");

- a máscara e o fingimento como elaboração mental dos conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar (ex.: Autopsicografia);

- a intelectualização das emoções e dos sentimentos para elaboração da arte;

- o ocultismo e o hermetismo (ex.: Eros e Psique);

- o sebastianismo (a que chamou o seu nacionalismo místico e a que deu forma no livro Mensagem);

- tradução dos sentimentos na linguagem do leitor, pois o que se sente é incomunicável.

in Moreira, V Pimenta, H, Acesso ao Ensino Superior, Português A e B 2000, Porto Editora.

 
  Materias de apoio - Fernando Pessoa (ortónimo)
O Modernismo

Entre a década de 80 do século XIX e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), surge o Modernismo, a traduzir a inquietude de uma época em crise e de grande agitação social. Diversas correntes estéticas procuram a novidade contra o estabelecido, numa clara reacção aos valores e aos sistemas políticos, sociais e filosóficos em vigor. Umas, de carácter novi-romântico, permitem movimentos tradicionalistas como o neogarrettismo, o nacionalismo e o integralismo; outras, procurando separar-se da burguesia e do seu materialismo, tentam a ruptura, apregoando a liberdade criadora, o cosmopolitismo, a originalidade, todas as formas de expressão capazes de traduzir uma nova realidade para a sua contemporaneidade. Estas novas experiências, denominadas de Vanguarda ou Vanguardismo, irão constituir o Modernismo, que abrange ou recobre todos os ismos: futurismo, cubismo, impressionismo, dadaísmo, expressionismo, interseccionismo, paulismo, sensacionismo.
Ferrando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada-Negreiros, entre outros, que fizeram no Saudosismo a sua iniciação, rapidamente transitam para o Modernismo com todas as influências das correntes estéticas e filosóficas europeias. Com eles, surge a revista Orpheu a traduzir as novas ideias. Este Primeiro Modernismo português vê a sua acção prosseguida e esclarecida pelo grupo da Presença (Segundo Modernismo), com José Régio, Casais Monteiro, Miguel Torga e outros.

Fernando Pessoa

Em Fernando Pessoa, coexistem duas vertentes: a tradicional e a modernista. Algumas das suas composições seguem na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosismo; outras iniciam o processo de ruptura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas que vão desde o simbolismo ao paulismo e interseccionismo, no Pessoa ortónimo.
Como afirma a crítica brasileira Neily Novaes Coelho, "Fernando Pessoa foi um ser-em-poesia", isto é, alguém que criou e viveu "quase todas as possibilidades de Ser e de Estar-no-mundo", através dos diversos poemas e culturas que exprimiu. O seu temperamento levou-o a criar dramas em actos e acção, com personalidades diferentes, que se revelam na heteronímia.
"Leve, breve, suave" é um dos poemas da continuidade onde a influência da leitura da lírica de Almeida Garrett é visível:

Leve, breve, suave,
Um canto de ave
Sobe no ar com que principia
O dia.
Escuto, e passou...
Parece que foi só porque escutei
Que parou

Nunca, nunca, em nada
Raie a madrugada,
Ou ‘splenda o dia, ou doire no declive,
Tive
Prazer a durar
Mais do que o nada, a perda, antes de eu o ir
Gozar.

Há, neste poema, uma delicadeza que se articula perfeitamente com a musicalidade e o ritmo do verso. A isto podemos juntar a suavidade do momento traduzido pela tripla adjectivação inicial anteposta ao "canto de ave". Esta forma de escrita, muito próxima do simbolismo, com inspiração garrettiana, permite criar um momento encantador e inebriante, para que contribui a própria melodia das rimas. E embora haja uma quebra do encantamento pela tomada de consciência do poeta que afirma: "Escuto, e passou” verifica-se a existência de uma emoção e de uma mágoa pela brevidade deste mágico momento.

Pessoa ortónimo

Quando se fala de Fernando Pessoa, interessa distinguir o ortónimo dos heterónimos que criou e para quem estabeleceu uma biografia própria. O seu universo heteronímico permitiu-lhe criar diferentes personalidades com outros nomes, como Alberto Caeiro, Ricardo Reis ou Álvaro de Campos; mas há uma personalidade poética activa que mantém o nome de Fernando Pessoa e, por isso, se designa de ortónimo. O Pessoa ortónimo escreveu a Mensagem, marcada pelo ocultismo, mas também outros poemas de características muito diversas. Compôs poemas da lírica mais simples e tradicional, muitas vezes marcada pelo desencanto e pela melancolia (como sucede no Cancioneiro); fez um aproveitamento cuidado do impressionismo e do simbolismo, abrindo caminho ao modernismo com o texto-programa do paulismo (em Impressões do Crepúsculo), onde põe em destaque o vago, a subtileza e a complexidade; desenvolveu outras experimentações modernistas com o interseccionismo e com o sensacionismo; revelou-se dialéctico, procurando a intelectualização das sensações e dos sentimentos. O Pessoa ortónimo revela um drama de personalidade que o leva à dispersão, em relação ao real e a si mesmo, ou lhe provoca fragmentações. Daí a capacidade de despersonalização (a de ser múltiplo sem deixar de ser um), que leva o ortónimo a tentar atingir a finalidade da Arte, ou, como afirma, a simplesmente aumentar a autoconsciência humana. O poeta parte da realidade, mas distancia-se, graças à interacção entre a razão e a sensibilidade, para elaborar mentalmente a obra de arte, Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação está evidente, por exemplo, em Meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas interseccionistas Hora Absurda e Chuva Oblíqua. Aí se verifica uma intersecção de realidades físicas e psíquicas, de realidades interiores e exteriores; uma intersecção dos sonhos e das paisagens reais, do espiritual e do material; uma intersecção de tempos e de espaços; uma intersecção da horizontalidade com a verticalidade. O interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade são tentativas para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência. Daí a intelectualização do sentimento para exprimir a arte, que fundamenta, o poeta fingidor.

Tensão sinceridade / fingimento, consciência / inconsciência, sentir / pensar

Em Fernando Pessoa, observa-se uma dialéctica da sinceridade / fingimento que se liga à da consciência / inconsciência e do sentir / pensar. Há assim uma concepção dinâmica da realidade poética que, pela união de contrários, permite criar linguagens e realidades em si diferentes da linguagem do artista e da sua vida, ao mesmo tempo que patrocina ao leitor objectos de identificação e valores que se universalizam e adquirem intemporalidade.
A crítica da sinceridade ou teoria do fingimento está bem patente neste movimento de oposições que leva Pessoa a afirmar que "fingir é conhecer-se". O poeta considera que a criação artística implica a concepção de novas relações significativas, graças à distanciação que faz do real, o que pode ser entendido como acto de fingimento ou de mentira. Artisticamente, considera que a mentira "é simplesmente a linguagem ideal da alma, pois, assim como nos servimos de palavras, que são sons articulados de uma maneira absurda, para em linguagem real traduzir os mais íntimos e subtis movimentos da emoção e do pensamento (que as palavras forçosamente não poderão nunca traduzir), assim nos servimos da mentira e da ficção para nos entendermos uns aos outros, o que, com a verdade, própria e intransmissível, se nunca poderia fazer." (in Fernando Pessoa, « Livro do Desassossego» de Bernardo Soares).
A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte. Fingir é inventar, elaborar mentalmente conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar É isso que se observa, por exemplo, em Autopsicografia («O poeta é um fingidor...»).
Neste poema, há uma dialéctica entre o eu do escritor Fernando Pessoa, inserido num espaço social e quotidiano, e o eu poético, personalidade fictícia e criadora, capaz de estabelecer uma relação mais livre entre o mundo concreto e o mundo possível. Por isso, não tem de se pedir a sinceridade de sentimentos, mas a criação de uma personalidade livre nos seus sentimentos e emoções. O poeta codifica o poema que o receptor descodifica à sua maneira, mas sem necessidade de encontrar a pessoa real do escritor. O poeta "finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente", enquanto os receptores "na dor lida sentem bem, / Não as duas que ele teve, / Mas só a que eles não têm." Isto significa que o acto poético apenas pode comunicar uma dor fingida, inventada, pois a dor real (sentida) continua no sujeito, que, por palavras e imagens, tenta uma representação; e os leitores tendem a considerar uma dor que não é a sua, mas que apreendem de acordo com a sua experiência de dor. Note-se que, neste poema, a dor surge em três níveis de compreensão: a dor real ("que deveras sente"), a dor fingida e a "dor lida". A produção poética parte da realidade da dor sentida, mas distancia-se criando uma dor fingida, graças à interacção entre a razão e a sensibilidade, que permite a elaboração mental da obra de arte. A elaboração estética acaba por se construir, pela conciliação da oposição razão / sentimento.
A dialéctica sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sentir/pensar percebe-se também com nitidez ao recorrer ao interseccionismo como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência. O interseccionismo, que surge como uma evolução do paulismo, apresenta o entrecruzamento de planos que se cortam: intersecção de sensações ou percepções. Aí se verifica uma intersecção de realidades físicas e psíquicas, de realidades interiores e exteriores; uma intersecção dos sonhos e das paisagens reais, do espiritual e do material; uma intersecção de tempos e de espaços; uma intersecção da horizontalidade com a verticalidade. No interseccionismo encontramos o processo de realizar o sensacionismo, na medida em que a intersecção de sensações está em causa e por elas se faz a intersecção da sensação e do pensamento.
Chuva Oblíqua é um dos poemas onde é nítido o interseccionismo impressionista. Observem-se as intersecções entre a paisagem e o sonho do porto, entre as "árvores antigas" e a sua sombra esboçada nas águas, entre os navios e a projecção dos "troncos das árvores" com uma "horizontalidade vertical". Esta última expressão remete para esses dois planos: o horizontal e o vertical, que podem ser entendidos como sugestões da materialidade e da espiritualidade. Enquanto o plano horizontal nos encaminha para os campos semânticos da realidade física, da paisagem real, do espaço, o plano vertical orienta-nos para os campos semânticos das realidades psíquicas e do espiritual, do sonho, do tempo. Tanto na Parte I de Chuva Oblíqua como nas restantes, recria vivências que se interseccionam com outras que, por sua vez, dão origem a novas combinações de realidade/idealidade. E, neste jogo dialéctico, o sujeito poético revela-se duplo, fragmentado, na busca de sensações que lhe permitam antever a felicidade ansiada, mas inacessível.

O tempo e a desagregação: o regresso à infância
Do mundo perdido da infância, Pessoa sente a nostalgia. Ele que foi "criança contente de nada" e que em adolescente aspirou a tudo, experimenta agora a desagregação do tempo e de tudo. Um profundo desencanto e a angústia acompanham o sentido da brevidade da vida e da passagem dos dias. Ao mesmo tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a saudade de uma ternura que lhe passou ao lado. Busca múltiplas emoções e abraça sonhos impossíveis, mas acaba "sem alegria nem aspiração". Tenta manter vivo o "enigma" e a "visão" do que foi, restando-lhe a inquietação, a solidão e a ansiedade:

Quando os crianças brincam
E eu os oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma,
Começa a se alegrar.

E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinto
Isto no meu coração.

Pessoa, através do semi-heterónimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, afirma que “o meu passado é tudo quanto não consegui ser”. Por isso, nada lhe apetece repetir nem sequer relembrar: O passado pesa "como a realidade de nada" e o futuro "como a possibilidade de tudo". O tempo é para ele um factor de desagregação na medida em tudo é breve, tudo é efémero. O tempo apaga tudo. "Nunca houve esta hora, nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão."

Bibliografia
Vasco Moreira e Hilário Pimenta, Português A e B (Acesso 2000), Porto Editora.
Recomenda-se:
A Lírica (Pessoa) 12.º Ano, Edições Sebenta;
Guerra, J.A. Vieira, J.A., Aula Viva 12.º Ano (português A, 1.º Vol.), Porto Editora.
Vasco Moreira e Hilário Pimenta, Dimensão Literária, 12.º Ano (Português A), Porto Editora.
 
terça-feira, outubro 04, 2005
  Ultimatum Futurista

ÀS GERAÇÕES PORTUGUESAS DO SÉC. XXI

Acabemos com este maelstrom de chá morno!
Mandem descascar batatas simbólicas a quem disser que não há tempo para a criação!
Transformem em bonecos de palha todos os pessimistas e desiludidos!
Despejem caixotes de lixo à porta dos que sofrem da impotência de criar!
Rejeitem o sentimento de insuficiência da nossa época!
Cultivem o amor do perigo, o hábito da energia e da ousadia!
Virem contra a parede todos os alcoviteiros e invejosos do dinamismo!
Declarem guerra aos rotineiros e aos cultores do hipnotismo!
Livrem-se da choldra provinciana e da safardanagem intelectual!
Defendam a fé da profissão contra atmosferas de tédio ou qualquer resignação!
Façam com que educar não signifique burocratizar!
Sujeitem a operação cirúrgica todos os reumatismos espirituais!
Mandem para a sucata todas as ideias e opiniões fixas!
Mostrem que a geração portuguesa do século XXI dispõe de toda a força criadora e construtiva!
Atirem-se independentes prá sublime brutalidade da vida!
Dispensem todas as teorias passadistas!
Criem o espírito de aventura e matem todos os sentimentos passivos!
Desencadeiem uma guerra sem tréguas contra todos os "botas de elástico"!
Coloquem as vossas vidas sob a influência de astros divertidos!
Desafiem e desrespeitem todos os astros sérios deste mundo!
Incendeiem os vossos cérebros com um projecto futurista!
Criem a vossa experiência e sereis os maiores!
Morram todos os derrotismos! Morram! PIM!

J o s é d e A l m a d a N e g r e i r o s

P O E T A

F U T U R I S T A
E
T U D O
 
Este espaço destina-se a professores e alunos do ensino secundário da disciplina de Português (Língua Portuguesa)da ES da Póvoa de Lanhoso. A intenção é proporcionar um espaço de interacção, e uma outra estratégia para apoiar os alunos.

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